segunda-feira, 20 de abril de 2009

O Inconsciente enquanto problema moral: introdução ao capítulo terceiro do livro "Uma Busca Interior em Psicologia e Religião" de James Hillman.











Nesse livro, entre outras questões, especialmente no capítulo terceiro, Hillman aborda a questão da moral, o bem e o mal, o que é positivo e o que é negativo, tanto no aconselhamento pastoral quanto na psicoterapia. Num diálogo constante com o livro “Honest to God” do bispo anglicano John A.T. Robinson(1919–1983), ele aponta questões relacionadas com a “nova moralidade” comentada em tal obra. 
A nova moralidade relaciona-se intimamente com a adaptação da Igreja aos novos tempos. 
“As igrejas querem estar dentro da vida, ter atitudes adequadas à segunda metade do século XX, seus ministros não querem mais assumir atitudes morais que contradigam o seu próprio tempo. Assim a nova moralidade é uma roupagem teológica para tendências modernas”. (Hillman, 1984, p. 73).

Da adaptação da Igreja aos tempos modernos emerge o conflito entre a prédica e a prática.  Segundo Hillman “Forçar a prática aos moldes da prédica, como fazia a velha moral, ou permitir que a pregação seja levada e delimitada pelos fatos da prática, como quer a nova moralidade, apenas sufocará o conflito, sem resolvê-lo” (Hillman, 1984, p. 71).  Prédica e  prática são dois campos de ação e não se deve ter um em detrimento de outro. Favorecer um lado sufocando o outro só agrava a tensão e aumenta o risco de um violento retorno do que ficou relegado a sombra. Hillman propõe um caminho mais criativo para tal conflito. O caminho do meio, do coração. Entre o pensar e o agir, diria o autor, existe a dimensão do coração, da alma. Sem alma, o discurso torna-se frio e a ação mecânica. É no contato com a interioridade, na capacidade de aceitação dos nossos paradoxos, que está o caminho do verdadeiro “amor a si mesmo”.  
   “A moralidade coletiva aprova o auto-sacrifício. Somos injustos e odiamos a nós mesmos com plena aprovação da comunidade. Dizem que o altruísmo é o oposto do egoísmo. Mas no inconsciente descobrimos que altruísmo exagerado é hipocrisia e compensação, quando o tipo adequado de egoísmo fracassou.” (op. Cit., p. 82).  O termo “egoísmo adequado” pode parecer estranho para alguns, mas é necessário para o processo de individuação. Sem fé e amor por nós mesmos não existe possibilidade heróica, não há como o Ego suportar a adversidade do mundo e sustentar a sua singularidade. Sem fé e amor a si mesmo, o Ego torna-se rígido e apegado a alguns conteúdos que parecem lhe trazer segurança e auto-referência e por medo acaba não se abrindo para novas descobertas e possibilidades existenciais.  O que seria então amar a si mesmo?
“Amar a si mesmo não é coisa fácil porque significa amar tudo dentro de si, inclusive a sombra, onde somos tão inferiores e socialmente não aceitos.” (op. Cit., p. 79).  
O amor também deve reger nossa sociedade interior.  Será que já conhecemos nossa sociedade mais íntima. Será que já entramos em contato com nossa escuridão?? Nela habitam todos os nossos personagens. Nosso cardeal, delegado, criança, mendigo, ladrão, herói e por aí vai. Temos uma população dentro de nós e como ela está se relacionando com o Ego? Que tipo de regime político está coordenando tais relações. Será que o Ego é democrático ou tirano? Quais são nossos personagens marginais, aqueles que queremos reprimir perpetuamente ou quais são os personagens da elite e os mais aceitos em nossa sociedade? Quanta caridade dedicamos as nossas fraquezas e doenças? A análise é uma luta moral (melhor seria dizer ética) que coloca-nos frente a frente ao conflito de “a quem eu devo dar crédito”? Amar a si mesmo é amar tudo dentro de si, incluindo as imagens desprezadas pela ótica do Ego.  Amar a si mesmo não é tarefa fácil, não é amar o Ego assumindo uma postura narcísica com o mundo. É cuidar, aceitando, carregando e sustentando nossa inteireza marcada por paradoxos.  Amar a sombra pode começar pelo fato de aceitar carregá-la. É o primeiro passo. 

Ana Cristina Abdo Curi - anac333@gmail.com